As plataformas de marketplace assumiram papel de destaque nas relações de consumo na última década, sendo responsáveis por intermediar parcela significativa das vendas de bens mundialmente. A tendência é crescente a as projeções indicam que as vendas B2C cheguem a US$4,5 trilhões em 2021 no mundo. No Brasil, as vendas do e-commerce atingiram R$ 61,9 bilhões (US$11,3 bilhões) em 2019, praticamente quatro vezes maior do que no começo da década. O prognóstico também é de aumento diante da penetração da Internet no país e do aumento do número de consumidores do e-commerce, especialmente depois da pandemia do COVID-19.
O protagonismo das plataformas no comércio online tem gerado uma série de discussões ao redor do mundo sobre o papel desses agentes na coleta de tributos. A despeito de ainda não existir um consenso nas comunidades mundial ou brasileira, diversos Estados brasileiros tomaram iniciativas para atribuir responsabilidade tributária às plataformas de marketplace pelo ICMS devido pelo usuário da plataforma. Exemplos podem ser encontrados nas legislações dos Estados do Ceará, Bahia, Mato Grosso e, mais recentemente, do Rio de Janeiro, que ainda está pendente de regulamentação. De maneira geral, essas regras responsabilizam a plataforma pelo recolhimento do ICMS quando o vendedor deixar de emitir documento fiscal para acobertar a operação.
As justificativas para a edição dessas regras são, essencialmente, a facilitação do exercício de fiscalização pelos Estados (é mais fácil fiscalizar grandes plataformas do que pequenas e médias empresas), o combate à sonegação fiscal e a redução de concorrência desleal (promovida por vendedores que utilizam a plataforma para realizar vendas não tributadas). Muito embora essas justificativas se mostrem plausíveis e possam trazer benefícios sociais, é muito importante ponderar (i) os custos decorrentes da adoção dessas medidas para as plataformas, (ii) a aplicação indiscriminada da regra a modelos de negócios distintos, (iii) o eventual conflito entre regras editadas pelos diversos entes federativos e (iv) o instrumento normativo adequado para atribuição de responsabilidade.
Inicialmente, deve ser levada em consideração a capacidade econômica da plataforma para arcar com o ônus de coleta de informações sobre as operações intermediadas, parametrização de sistemas, emissão de notas fiscais e recolhimento de tributos, dentre outros. Muito embora, intuitivamente, se pense em grandes plataformas de marketplace, existem empresas de todos os portes e que podem incorrer em custos desproporcionais em vista dessa regra. Ainda, eventual aumento de custos da plataforma pode encarecer o preço dos seus serviços e impactar o mercado de e-commerce.
Quanto aos modelos de negócio, existe uma série de variações na atuação da plataforma e seu envolvimento efetivo com a operação de compra e venda concluída. Plataformas podem atuar tanto como simples vitrine para que comprador acesse determinado anúncio e seja redirecionado à página do vendedor para conclusão do negócio quanto acumular funções (como processamento de pagamento, entrega do produto, etc.). Atribuir responsabilidade tributária à plataforma a despeito do modelo praticado não parece razoável, seja porque a plataforma não tem condições de coletar as informações da operação necessárias ao recolhimento do imposto, seja porque em muitos casos ela sequer recebe o pagamento do usuário e, portanto, não tem caixa para fazer frente ao ICMS devido.
Ainda, importante observar que não há uniformidade entre as leis estaduais disciplinando o assunto e tampouco observância aos limites territoriais do Estado. A legislação obriga plataformas que sequer estão presentes no respectivo Estado a cumprir obrigações de cadastro naquele Estado e outras obrigações acessórias, gerando ônus operacional e de compliance. Isso sem contar os riscos atrelados a eventuais disputas federativas pela titularidade do ICMS em determinada operação.
Por fim e, mais importante, o instrumento para viabilizar a responsabilização das plataformas deve estar adequado às regras constitucionais tributárias. Nesse ponto, as leis estaduais editadas pecam pela inobservância à Constituição Federal, que atribui à lei complementar federal a competência para estabelecer normas gerais em matéria tributária, dentre as quais se inclui a responsabilidade. No cenário brasileiro, o Código Tributário Nacional assume o papel de estabelecer as normas gerais em matéria tributária e não autoriza a responsabilização das plataformas de marketplace nas condições apresentadas pelas leis estaduais.
Em suma, muito embora os Estados possam ver vantagens de aumento de arrecadação com a responsabilização das plataformas, ainda não há estudos sobre os resultados dessas medidas, especialmente considerando os impactos nocivos às plataformas e aos players que dela dependem. Ainda e, independentemente do resultado obtido, a implementação dessa regra depende do instrumento normativo adequado, que no caso é a lei complementar federal.
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