Há muito tempo o Brasil é considerado o gigante a ser despertado e uma terra de potencial vasto, mas, infelizmente, todo este potencial ainda permanece apenas como expectativa e, desde 2003, o Brasil não foi capaz de atingir os elevados padrões de crescimento econômico que se poderia imaginar ao olhar para os artigos e notícias sobre o país entre 2003 e 2009.
Em 2003, o Goldman Sachs elegeu o Brasil, junto com China, Índia e Rússia, uma das grandes economias potenciais do mundo. Em 2009, a The Economist retratou o Brasil como uma terra de muitas oportunidades na cobertura especial de 14 páginas intitulada na época ‘Brazil takes off’.
Infelizmente, os impostos contribuem significativamente para o Brasil não ter sido capaz de ‘decolar’, conforme previsto. A representatividade dos tributos atinge aproximadamente 33% sobre o PIB em 2018 e as empresas no Brasil lutam tanto para recolher impostos quanto para cumprir as diversas regras de conformidade e gerenciar o alto nível de litígios tributários gerados pelo sistema brasileiro. A complexidade e as regras pouco claras no Brasil fizeram com que os litígios representassem cerca de 75% do nosso PIB em 2019 e que o tempo médio para um caso ser decidido no Brasil seja de 18 anos.
Diante desse cenário turbulento, a seguir apresentamos uma visão geral da atual tributação das empresas no Brasil, com os principais aspectos, controvérsias e possíveis desenvolvimentos futuros.
Tributação dos lucros das empresas
A tributação sobre os lucros das empresas tem uma das legislações fiscais mais estáveis e simples, apesar de ainda apresentar algumas complexidades.
Para a maioria das empresas, o método de cálculo do imposto de renda (que tecnicamente é composto de um imposto de renda per se – Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, ou IRPJ, e uma contribuição social especial – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, ou CSLL) resume-se à aplicação de uma alíquota nominal de 34% (25% para o IRPJ mais 9% para a CSLL) sobre o lucro contábil ajustado.
O lucro tributável é baseado no lucro contábil e ajustado por adições e exclusões, que basicamente podem derivar de algumas diferenças entre as regras contábeis (em linha com o IFRS) e regras fiscais, despesas não dedutíveis ou receitas/lucros não tributados.
O Brasil permite a dedução de juros calculado sobre o capital investido pelo acionista (Juros sobre Capital Próprio, ou JCP) que é dedutível para fins do IRPJ e CSLL e tributado na fonte em 15% quando pago a investidores estrangeiros, gerando um benefício tributário de aproximadamente 19% (dedutibilidade de 34% reduzido de 15% de IR retido na fonte).
O Brasil também possui uma legislação atraente de incentivos fiscais para P&D, que contempla uma abordagem ampla e não apenas o desenvolvimento de novos produtos. Prejuízos fiscais podem ser utilizados para compensar lucros tributáveis futuros, mas sujeitos ao limite de 30% do lucro a cada ano. As empresas que faturam até R$ 78 milhões podem optar por tributar a renda através da metodologia do lucro presumido, geralmente com uma alíquota efetiva de tributação da renda de 3,08% para a venda de mercadorias e 10,8% para serviços.
Além disso, as controvérsias e litígios a respeito do imposto de renda ocorrem em diversas áreas, mas uma das grandes discussões que merecem ser acompanhadas de perto está relacionada ao direito de amortizar e deduzir do imposto de renda o ágio/goodwill pago na aquisição de empresas no Brasil. Outro tema muito relevante, e que provavelmente terá desdobramentos em 2021, é a possibilidade de não tributação das subvenções governamentais (subvenção para investimento) concedidas na forma de redução e benefícios do ICMS.
E ainda, em termos de potenciais novas legislações, existem algumas propostas no Congresso a respeito dos Juros Sobre o Capital Próprio, visando eliminar esse benefício com uma redução das alíquotas do IRPJ/CSLL (que são elevadas, quando comparadas a outros países) e na imposição de tributação sobre dividendos, atualmente isentos de tributação no Brasil.
Tributos Indiretos
Os tributos indiretos ocupam a área em que a maioria dos regulamentos complicados e grandes litígios estão presentes, bem como reformas urgentes de longo alcance são necessárias.
Apenas para exemplificar de forma sucinta o quão complexo estes tributos são, uma indústria brasileira é tributada por um imposto estadual tipo IVA sobre a circulação de mercadorias (ICMS), por contribuições federais sobre a receita (PIS/COFINS) e por um imposto especial seletivo de consumo sobre bens industrializados (IPI). As empresas comerciais (como varejistas, distribuidores) pagarão os mesmos tributos, sendo o IPI aplicável à revenda apenas em situações específicas (como a revenda local de produtos importados). É importante mencionar que tais tributos foram inicialmente concebidos para serem neutros quanto ao impacto em cada etapa da cadeia produtiva, permitindo créditos tributários sobre as compras.
IPI, ICMS e PIS/COFINS
Resumidamente, IPI, ICMS e PIS/COFINS são calculados em linha com o que se tornou conhecido no Brasil como o sistema ‘não cumulativo’. Tal sistema permite que os contribuintes reconheçam os créditos fiscais nas compras de insumos para compensar o tributo devido sobre as vendas e receitas.
Assim, o valor efetivamente pago é o resultado dos tributos devidos sobre as vendas (ou seja, aplicação das respectivas alíquotas ao valor da venda de produtos e receitas) subtraído dos créditos fiscais (ou seja, reconhecidos nas compras de certos insumos).
As alíquotas destes tributos variam bastante entre os diferentes produtos e segmentos da economia, por exemplo, PIS/COFINS como regra geral possui uma alíquota de 9,25%, e o ICMS 18% em uma venda interna (feita dentro do mesmo estado) e pode ser de 12% ou 7% ou 4% em vendas interestaduais.
No entanto, uma ampla variedade de diferentes regras de tributação existe em torno destes tributos, como o ICMS-Substituição Tributária e o PIS/COFINS-Monofásico que, em regra, concentram a tributação de todas as etapas de produção e distribuição na indústria, com o pagamento antecipado do imposto para o toda a cadeia. Como exemplo, uma empresa farmacêutica pagaria 12% a título de PIS/Cofins-Monofásico; uma montadora de automóveis pagaria 11,6%; e para a indústria de produtos de higiene pessoal 12,5%.
As empresas que optam pela tributação da renda pelo lucro presumido estão sujeitas ao PIS/COFINS de forma cumulativa, não permitindo-se créditos tributários, porém aplicando-se alíquota inferior (3,65% sobre a receita bruta). O IPI é geralmente definido de acordo com o produto e é um imposto seletivo, podendo variar de 0% a 300% dependendo do produto, mas geralmente com alíquota entre 10% e 15%.
Insumos
O conceito jurídico acerca de quais compras e/ou despesas podem ser consideradas para fins de creditamento é bastante debatido no Brasil, existindo diversas interpretações da legislação do ICMS e do PIS/COFINS nas discussões administrativas e judiciais sobre o assunto.
É correto dizer que esse é o principal tema em discussão entre fisco e contribuintes pelo menos nos últimos 10 anos. Conceitualmente, os créditos de ICMS estão vinculados ao produto e ao processo produtivo, pois se trata de um imposto sobre a produção que tem por objetivo onerar o preço de venda (não a receita bruta).
Por outro lado, os créditos de PIS/COFINS estão menos vinculados ao produto e ao processo produtivo, o que leva a uma base de crédito mais ampla, composta por serviços, outros custos e despesas. O direito de reconhecimento de créditos de PIS/COFINS está muito relacionado ao quão essenciais e relevantes as despesas/custos são para a atividade-fim da empresa.
Falta de diretrizes claras
A falta de diretrizes claras é um problema relevante, pois leva o direito ao crédito a uma análise casuística e dá margem a muitas interpretações diferentes (evidentemente, contribuintes buscando ampliar o conceito sobre o que pode gerar créditos tributários e o fisco tentando reduzir este conceito, dificultando o reconhecimento dos créditos tributários).
Sobre o tema, em 2018, o Superior Tribunal de Justiça brasileiro decidiu a favor de uma abordagem mais ampla em relação aos itens que geram créditos de PIS/COFINS, mas, não surpreendentemente, o resultado desta decisão deu origem a muitas novas discussões sobre como o conceito estabelecido pelos julgadores do Tribunal Superior deve ser aplicado na prática aos diferentes setores.
Outro caso importante é a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS (ICMS e PIS/COFINS são calculados por dentro da base). Muitos diriam que este é um dos processos tributários mais importantes da história, com potencial impacto no orçamento do Governo Federal de até R$ 250 bilhões (aproximadamente US$ 44 bilhões) e, embora decidido favoravelmente aos contribuintes (ou seja, é inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS), aspectos importantes da implementação prática da decisão continuam pendentes de definição.
Propostas de reformas tributárias
Diante do cenário, propostas de reformas tributárias encontram-se em discussão no Congresso Nacional para a reformulação completa do sistema tributário e a implantação de um sistema mais favorável aos negócios, menos complexo e com formato unificado de tributação de bens e serviços.
Duas propostas de emendas constitucionais (PECs) e um Projeto de Lei (CBS) estão sendo analisadas por uma Comissão Legislativa conjunta. A PEC 110 é uma proposta do Senado e a PEC 45 é uma proposta da Câmara dos Deputados. Esperava-se que em 2020 os parlamentares tivessem votado e aprovado a reforma tributária, porém ela foi adiada para 2021 e ainda é difícil ter-se a certeza de que alguma proposição será efetivamente aprovada neste ano.
Prestação de serviços
A prestação de serviços, além da tributação sobre a renda, está sujeita à tributação indireta do PIS/COFINS (9,25% ou 3,65%) e a um imposto municipal sobre serviços (ISSQN), com alíquotas que variam de 2% a 5%, de acordo com a natureza de cada serviço e legislação municipal local.
O ISSQN também é um imposto cumulativo, sem sistema de crédito tributário, e as alíquotas são aplicadas simplesmente sobre a receita bruta de serviços. O ISSQN tem estado no centro de importantes disputas entre contribuintes e fisco sobre a sujeição do licenciamento de softwares ao ISSQN (como um ‘serviço’) ou ao ICMS (como um bem intangível).
Importação e Exportação
As importações e exportações também estão sujeitas a tributação. A importação de mercadorias está sujeita ao ICMS, IPI, PIS/COFINS pagos no desembaraço aduaneiro e os serviços estão sujeitos a uma tributação complexa que pode chegar a mais de 40% do preço pago ao exterior e é composta por um imposto de renda retido na fonte de 15% a 25 %; uma contribuição especial (CIDE) de 10%; PIS/COFINS de 9,25%; ISSQN de 2% a 5%; e Imposto sobre Operações Financeiras de Câmbio (IOF-Câmbio) de 0,38%.
Como esperado, existem grandes disputas sobre como calcular e pagar esses impostos. As exportações, por um lado, são beneficiadas com isenção da tributação indireta (sem ICMS, IPI, PIS/Cofins devido na exportação de bens e serviços do Brasil), mas por outro, exigem uma estratégia para obtenção de restituições dos créditos tributários.
Remessas de recursos e capitais de e para o Brasil
A entrada e saída de recursos e capitais de e para o Brasil atraem diversas questões em matéria tributária.
A injeção de capital social geralmente está sujeita a IOF-Câmbio a 0,38%, enquanto para dívidas entre empresas o IOF-Cambio é de 6,38% (para empréstimos com vencimento inferior a 180 dias) ou 0% (para empréstimos com vencimento superior a 180 dias). Os dividendos circulam de forma isenta para investidores estrangeiros e locais, os juros em geral são dedutíveis para imposto de renda corporativo (34%), mas são tributados na fonte (IRRF 15%), ficando sujeitos às regras de subcapitalização e regras de preços de transferência para transações entre partes relacionadas.
Reorganizações societárias
Reorganizações e reestruturações societárias no Brasil tendem a ser neutras sob a ótica tributária, mas após a Lei 12.973/14, controles adicionais são necessários quando, devido à contabilidade IFRS, o valor justo de mercado é utilizado para a transação ao invés do valor contábil.
Digitalização e automação
A digitalização e automação de rotinas fiscais estão no topo da agenda de interesses de quase todos os contribuintes.
As autoridades fiscais no Brasil têm sistemas de reporte altamente digitalizados aos quais as empresas devem cumprir. Erros simples nesses sistemas de relatórios podem resultar em multas elevadas. Os principais desafios dizem respeito a unificar lacunas entre relatórios fiscais, sistemas ERP e a contabilidade. A automação está se tornando essencial para ajudar os contribuintes a reduzir a carga de trabalho manual, aumentar a precisão e aprimorar os padrões de conformidade.
Em conclusão
Mesmo com os desafios que o sistema tributário brasileiro apresenta, os benefícios para as empresas que conseguem administrar de forma eficiente as normas tributárias, são muito positivos e o futuro oferece grandes oportunidades.
Existe também vasto território para implementação de programas de compliance tributário cooperativo (cooperative compliance) que objetivem reduzir a incerteza e os litígios. A transformação digital e a automação ajudarão as empresas a reduzir as horas investidas em reportes e conformidade tributária e aumentar o tempo dedicado a auxiliar o governo a elaborar novas legislações e a examinar em profundidade seu planejamento e suas estratégias tributárias.
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Bruno Santo |
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Sócio Finocchio & Ustra T: +55 19 3252 6176 Bruno Santo é sócio do Finocchio & Ustra. Bruno atua com planejamento tributário, tributação internacional e tributação doméstica de empresas. Sua experiência em consultoria internacional e conhecimento específico de contabilidade e finanças corporativas moldaram sua abordagem a projetos tributários nos mais diversos segmentos, como private equity, farmacêutico, alimentos, tecnologia, agronegócio e planejamento de patrimônio individual. Bruno é formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo. É membro da Ordem dos Advogados do Brasil. |
Pedro Buffolo |
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Sócio Finocchio & Ustra T: +55 19 3252 6176 Pedro Buffolo é sócio do Finocchio & Ustra. Pedro atua com planejamento tributário, tributação corporativa nacional e compliance tributário. Possui ampla experiência em projetos relacionados recuperação de créditos de impostos diretos e indiretos, benefícios fiscais de P&D, preços de transferência, compliance em indústrias farmacêuticas, veterinárias, metalúrgicas, agronômicas, automotivas, combustíveis, alimentos, transportes, tecnologia e serviços. Pedro é graduado em contabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo. É membro do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo. |