No artigo da Deloitte, ‘Nosso futuro digital: Uma perspectiva para profissionais da área tributária’, publicado em 2019, cinco forças de mudança mencionadas no artigo já começaram a impactar o dia-a-dia dos profissionais tributários:
Os dados estão se tornando mais amplamente disponíveis como resultado do aumento do poder de processamento e da capacidade de memória;
A automação é uma realidade e, até certo ponto, podemos dizer que os robôs estão esperando que as pessoas se unam a eles;
O uso da inteligência artificial (IA) e tecnologia relacionada está ajudando na tomada de decisões melhores e mais inteligentes;
Pessoas, empresas e governos compartilham informações e conhecimento online de forma abundante; e
Redes e ecossistemas abertos permitem que talentos se conectem para resolver problemas comuns.
Embora algumas empresas já estejam alavancando as referidas forças para promover a transformação digital, muitas empresas ainda estão lutando para iniciar sua jornada rumo à digitalização, que é apenas parte desse contexto maior de transformação.
Sempre que embarcarem em uma jornada em direção à transformação digital, as empresas terão que enfrentar a forma como os processos existentes são desenhados e executados, avaliar como a tecnologia é alavancada e, o mais importante, fomentar uma mentalidade e competências renovadas em seus talentos.
A mudança pode ser bastante desafiadora, pois esforço e comprometimento genuínos são necessários. Tornar-se digital não é apenas um upgrade. Exige um redesenho completo. Talvez crenças anteriores tenham que ser abandonadas. Paradigmas precisam ser rompidos e as pessoas precisam estar no núcleo disso.
Para aquelas empresas onde o trem da transformação digital ainda não partiu, compartilhamos alguns insights sobre como seria o talento em uma equipe tributária digital, bem como o que as autoridades tributárias estão fazendo, o que outros ainda estão fazendo quando se trata de automação e como a IA pode ajudar ainda mais ao longo do caminho.
Talento redefinido
Uma organização digital exigirá mais das áreas tributárias. Líderes e profissionais oriundos de um modelo tradicional e padronizado da função tributária podem exigir uma reinicialização completa.
As habilidades tradicionalmente associadas a um profissional tributário, incluindo finanças, contabilidade e direito, não serão mais suficientes. Um profissional tributário terá que adquirir versatilidade em gestão de projetos, mapeamento de processos, metodologias ágeis e técnicas de inovação. O profissional tributário otimizado deverá se tornar articulado no ambiente de tecnologia.
A área tributária digital terá que ser mais diversificada e falar vários ‘idiomas’. Advogados e contadores compartilharão mesas virtuais com especialistas em tecnologia, analistas de dados e pessoas que estão preocupadas com a experiência dos usuários dos resultados apresentados pela área tributária.
Profissionais que conseguirem unir habilidades de tecnologia com visão comercial e tributária terão mais chances de serem bem-sucedidos em suas carreiras digitais. Isso não significa que esse profissional tributário otimizado terá que ser um especialista em todas essas áreas do conhecimento. Em vez disso, esse profissional deverá dominar a capacidade de navegar pelas diferentes nuances e perspectivas de cada componente desse ambiente fiscal aprimorado e colorido, pois isso exigirá inovação, empoderamento, conectividade e fluidez.
Os ecossistemas internos e externos desempenharão um papel ainda mais importante para a área tributária.
Como resultado dessa nova gama de talentos, uma nova área tributária digital surgirá. Uma área que será colaborativa, proativa e focada em dados. Ela fará parcerias com todas as áreas da organização, promovendo mudanças positivas, trazendo percepções estratégicas visando maximizar o valor para todo o negócio.
Autoridade tributária
As autoridades tributárias em escala global já implantaram tecnologias com o objetivo de se tornarem mais eficientes.
A pandemia mostrou que trabalhar digitalmente é a maneira certa (se não a única) de realizar auditorias tributárias de forma mais assertiva. Sob essas premissas, as autoridades tributárias estão transformando os processos de auditoria existentes, tornando-os ainda mais digitais.
O aumento do poder de processamento e da memória beneficia não apenas as áreas tributárias das empresas, mas também o Fisco, que agora pode executar algoritmos mais sofisticados para detectar inconsistências e erros, evasão fiscal e fraudes. Os dados coletados pelo Fisco, de forma eletrônica, tornaram-se um recurso valioso. Os contribuintes devem fazer o mesmo e se beneficiar dos dados apresentados nas obrigações tributárias e notas fiscais eletrônicas para obter informações comerciais e estratégicas, em vez de considerá-las um produto residual do processo de compliance (conformidade) tributário.
Considerando que o acesso aos dados é uma realidade para muitas autoridades tributárias, outra disrupção está associada ao acesso em tempo real a esses dados. Reportar em tempo real é uma realidade para os contribuintes em certas jurisdições fiscais, assim como há uma variedade de tipos de arquivos eletrônicos, e-contabilidade, e-conciliação, e-fiscalização e e-autuação para cada país.
O próximo nível de relatórios em tempo real pode levar ao acesso aos dados diretamente do sistema de Gestão Empresarial (ERP) e/ou ambiente de consolidação ou (mais provável) ambiente de dados do contribuinte que pode ser estendido a fontes de terceiros. As soluções de data analytics das autoridades tributárias logo irão substituir a entrega de declarações fiscais e as auditorias digitais. Pode até soar invasivo, mas já existem situações em que as autoridades tributárias estão tributando certas operações independentemente ou mesmo antes de serem lançadas no ERP.
As autoridades tributárias também estão engajadas em projetos pilotos estratégicos, compartilhando informações sobre as lições aprendidas e as melhores práticas, cada qual acelerando sua estratégia digital.
Isso exige que as empresas estejam em conformidade com este ambiente novo e aprimorado, onde as empresas serão confrontadas com autoridades tributárias mais inteligentes. Como resultado, a conformidade tributária será maior. Como profissional ou líder da área, gerencie seus dados de acordo. Certifique-se de adotar estratégias, processos e tecnologias relevantes para mitigar erros desde o início de uma operação ou transação. Aumente suas capacidades com a tecnologia adequada. A estrutura de controle deve se tornar mais poderosa para identificar, classificar, prevenir e implementar correções automaticamente em tempo hábil (ou instantaneamente).
Automação
Quando se trata de automação de processos, as organizações mais maduras digitalmente implementaram com sucesso as automações de processos (RPA – Robotics Process Automation) e evoluíram para outras tecnologias.
No entanto, essa não é a realidade para todas as empresas. Algumas empresas não estão focadas em colocar esforços e estratégias focadas em RPA. Algumas empresas ainda estão lidando com grande parte do trabalho sem o processo ou tecnologia adequados. Outras empresas que experimentaram RPA de forma não estruturada estão agora “paradas” e tendo que lidar com os problemas decorrentes desse movimento, os quais estão relacionados TI ou complexidade de processos e também com expectativas irrealistas.
A maximização do impacto de RPA requer uma mudança estrutural de mentalidade. A adoção deverá ser baseada em uma abordagem engajada, passando da experimentação à transformação. Para que isso aconteça, as organizações precisam fazer as escolhas estratégicas certas, construir as bases para permitir que a nova força de trabalho digital abra seu caminho na direção de uma área tributária que traga vantagem competitiva para a organização.
As soluções RPA devem ser consideradas e utilizadas como plataformas empresariais: tais soluções permitem a automação de diversos tipos de atividades. Faz ainda mais sentido quando olhamos para a expansão da força de trabalho digital, especialmente após a pandemia. A iniciativa deverá ser abraçada por toda a área, não apenas para cobrir algumas atividades, e a adoção deverá ser apoiada e encorajada pela liderança. Os resultados mostram que esta parece ser a melhor prática.
Nem todas as jornadas de RPA começam com um escopo totalmente abrangente, mas a mentalidade deveria ser ‘pense grande, comece pequeno’. Muitas organizações começaram a automatizar as atividades tributárias mais repetitivas. Depois de comprovados, os resultados positivos podem ser usados como vitrine para outros profissionais ou atividades e, com isso, ajudar os líderes a ‘pensar grande’ sobre a oportunidade mais ampla em toda a área tributária.
Em relação a escalar a adoção de RPA, podemos ver a ambição das organizações relatadas na pesquisa ‘Tax do amanhã – Tecnologias e recursos para os atuais desafios tributários das organizações’ divulgada pela Deloitte Brasil em 2020 onde 98% dos respondentes entendem que o coleta e classificação dos dados serão automatizados em breve.
O mapeamento e padronização do processo é outro desafio enfrentado pelas organizações em todos os diferentes estágios da jornada de RPA.
Processos com complexidade leva a robôs complexos: aumenta o custo e requer um desenho mais sofisticado para implementar RPA (de preferência: RCA – Robotics Cognitive Automation). Os robôs exigem precisão de processo detalhado e precisam ser compreendidos no nível de movimentos e cliques de mouse e/ou digitação no teclado.
As organizações estão concluindo que os processos nem sempre são bem compreendidos, mesmo quando suportados por documentação existente. Operações que podem parecer padrão, muitas vezes diferem significativamente na realidade, ou até mesmo entre diferentes unidades de negócios. A equipe de implementação precisa trabalhar em estreita colaboração com os usuários de negócios para compreender por completo todos os processos detalhados e automatizá-lo adequadamente.
Em muitas organizações, a adoção de RPA também está impulsionando a força de trabalho para a qualificação: compreensão da arquitetura RPA, envolvimento próximo com desenvolvedores de RPA e operadores de robôs. Essas novas funções têm poucos especialistas no assunto.
Para abraçar totalmente o potencial da robótica (e IA), as empresas precisarão promover um novo conjunto de habilidades para a força de trabalho tributária para que ela possa trabalhar ao lado dos robôs, criando uma força de trabalho “aprimorada”, permitindo que as pessoas se concentrem em atividades de maior valor agregado.
Inteligência artificial
Essa nova mentalidade digital é encontrada nas áreas tributárias mais progressistas, que estão gerando percepções mais profundas a partir do grande volume de dados estruturados e não estruturados disponíveis. Esses departamentos fiscais aumentam o nível de compliance fiscal, ajudando os líderes empresariais a identificar grandes problemas e aproveitar novas oportunidades.
As áreas tributárias estão aplicando ferramentas de analytics e de IA avançadas que podem gerar e tirar conclusões e prever situações a partir de várias fontes de dados, oferecendo uma solução desenvolvida para os desafios diários enfrentados pelas áreas tributárias e seus parceiros de negócios. A boa notícia é que o uso de tais tecnologias está se tornando mais democrático com casos de uso comprovados, e algumas organizações começaram a construir processos de trabalho com base neles, aprimorando as capacidades analíticas das pessoas.
A adoção de tecnologias cognitivas e relacionadas à IA pode ajudar as áreas tributárias a analisarem dados de compliance, ajudando os líderes de negócios a prever tendências, detectar anomalias, expor inconsistências e reduzir a carga tributária efetiva. Também podem ser usadas para verificar, em tempo real, o tratamento tributário de cada transação, identificando lacunas instantaneamente e abordando o problema por meio de uma inteligência adaptativa de tomada de decisão.
A IA e analytics podem permitir o uso completo e abrangente de todo o poder dos dados para aumentar a eficiência da função tributária e gerar valor para a empresa, ao mesmo tempo em que aprimora outras áreas do negócio.
Com base nos resultados da pesquisa ‘Tax do amanhã – Tecnologias e recursos para os atuais desafios tributários das organizações’, 96% das organizações acreditam que a IA e as tecnologias cognitivas irão otimizar a análise tributária. No entanto, a pesquisa mostra que 25% das empresas que participaram da pesquisa ainda possuem atividades manuais relacionadas ao processo emissão de notas fiscais (faturamento). A automação não é uma realidade para outras atividades como apuração de impostos, onde 50% das organizações usam trabalho manual para processar o cálculo de impostos relativos a mercadorias e serviços (como ICMS, ICMS-ST, IPI e ISS).
Embora muitas organizações tenham começado sua jornada em aprimoramentos de IA, ainda há potencial para a adoção de tecnologias de automação, incluindo RPA. Para essas, RPA poderá deixar profissionais mais livres, engajando-os na adoção de tecnologia onde os benefícios podem ser colhidos no curto prazo, pavimentando o caminho para a implementação de tecnologias mais complexas e sofisticadas.
De olho no futuro
O futuro da função tributária não se trata de tecnologia, trata-se de profissionais tecnologicamente aprimorados que se beneficiarão da colaboração e do compartilhamento de conhecimento para lidar com questões complexas.
O futuro será um lugar para aqueles indivíduos digitalmente capacitados que apoiarão seu posicionamento em conjuntos de dados massivos, permitindo decisões informadas, tempestivas e precisas pela área tributária e outras áreas interessadas.
Forças internas e externas de mudança estão definindo o ritmo dessa transformação. Parceiros de negócios, clientes e autoridades tributárias estão se tornando mais exigentes e mais difíceis de atender.
Combinar tecnologias recentemente consolidadas com tecnologias emergentes poderá ser algo muito poderoso para superar os desafios do passado, do presente e do futuro. A capacidade de adotar e alavancar essas tecnologias poderá levar a resultados promissores.
As organizações não devem superestimar o impacto e os benefícios oriundos da adoção de tecnologia no curto prazo. Algumas pessoas criam a expectativa de que as coisas serão resolvidas com o ‘apertar de um botão’.
As empresas também não devem subestimar as conquistas resultantes da tecnologia no longo prazo. A resposta para lidar com disrupções desconhecidas reside em profissionais tributários preparados para o futuro, trabalhando em áreas tributárias digitais, onde os processos são estruturados para abraçar a inovação.
A transformação tributária é uma jornada. Muitas organizações já começaram sua jornada. E você, começou a sua?
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Aleksander Ogatha |
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Gerente Senior Deloitte T: +55 11 5186 1710 Gerente Sênior da consultoria Tributária com enfoque em tecnologia com mais de 15 anos de experiencia suportando as áreas de tributos diretos e indiretos e 10 anos de experiencias em projetos de tecnologia na área de impostos. Iniciou sua carreira na consultoria Tributária em 2007. Em 2012 foi promovido a gerente na área de tecnologia Tributária em 2017 se juntou ao time global de tecnologia trabalhando em diversas frentes e com produtos globais em diferentes países. Sempre está envolvido em projetos tributários multidisciplinares relacionados a planejamento tributário e compliance. Ele é responsável por produtos desenvolvidos pela are de tecnologia pela Deloitte Brasil com enfoque na automação do processo de compliance. Também é advogado, Contador, e Analista de sistemas e cursa atualmente engenharia da computação. |
Gustavo Rotta |
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Sócio Deloitte T: +55 11 5186 1595 Sócio líder da área de inovação da Deloitte no Brasil e da área de Tax Technology, com mais de 20 anos de experiência, possui experiência nos setores de Bens de Consumo, Manufatura, Telecomunicações e Serviços. Possui especialização em Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, incluindo revisões de atendimentos às disposições da legislação tributária, due diligence, reorganizações societárias, planejamentos tributários, tecnologia e automação e projetos de implantação de soluções fiscais/localization, incluindo temas do ambiente SPED. Rotta é palestrante em treinamentos e seminários de impostos e tecnologia em impostos. Formado em Administração de Empresas e Ciências Contábeis. |