Com o surgimento e crescimento de grupos econômicos, os quais acabam por atuar, por meio de diversas empresas, em vários segmentos, seja no mercado nacional, como também internacional, tornou-se usual a confecção de contratos de cooperação, por meio dos quais muitas atividades-meio comuns são centralizadas em uma empresa.
É o que se denomina contrato de compartilhamento ou rateio de custos e despesas (Cost Sharing Agreement).
Embora sejam contratos lícitos e que se justificam pela necessidade de otimização de custos, padronização de atuação, os impactos fiscais merecem atenção, seja nas operações entre grupos situados exclusivamente no Brasil, como aqueles onde a centralização de tais atividades se dá no exterior.
O contrato de compartilhamento (Cost Sharing Agreement)
O contrato de compartilhamento de custos ou despesas, em regra, decorre da necessidade de otimização, eficiência, redução de custos e padronização na atuação, onde uma empresa (centralizadora; mãe) ou uma criada especificamente para tal finalidade (centro compartilhado de serviços), em um grupo econômico ou até mesmo entre pessoas jurídicas distintas, formalizam um ajuste de cooperação quanto ao rateio de despesas e custos decorrentes de atividades-meio comuns, como por exemplo, contabilidade, marketing, jurídico, pesquisa e desenvolvimento, entre outras.
Com isso, a empresa que centralizará tais atividades comuns realizará o suporte às demais empresas, as quais participarão no rateio dos custos e despesas envolvidos.
Embora se fale de tais contratos de forma geral, é preciso esclarecer que, a depender da estrutura estabelecida entre as partes, podemos ter, ao menos, três espécies: (i) – contrato de compartilhamento de custos; (ii) – contrato de prestação de serviço intragrupo; (iii) – contrato de contribuição para os custos.
Tem-se o contrato de compartilhamento de custos quando há interesses comuns, onde os coparticipantes assumem, segundo critérios de rateio comprovados e justificados, os custos para a fruição de bens e direitos de titularidade de uma empresa, a qual coloca à disposição das demais. A contribuição para os custos, diante da fruição, seria uma forma de ressarcir ou reembolsar a empresa titular do direito ou bem.
Por sua vez, podemos ter um contrato de prestação de serviço intragrupo, onde, na relação entre as empresas dentro um grupo econômico, existe uma efetiva prestação de serviço, mediante caráter contraprestacional, mediante preço com intuito lucrativo, como se fosse uma empresa independente.
Enfim, é possível identificar o contrato de contribuição para os custos, por meio do qual um grupo de empresas repartem custos e riscos na produção ou obtenção de ativos, serviços ou direitos, normalmente, o rateio de tais despesas se dá para o exercício de pesquisa e desenvolvimento, tendo como contrapartida parcela de direitos do intangível ou bem a ser produzido.
Percebe-se, portanto, que o contrato de rateio de despesas ou custos, ou mesmo de contribuição, é celebrado entre empresas com a finalidade de ratear ou alocar custos ou despesas incorridas por uma delas para as demais, já que tais custos ou despesas acabam por beneficiar todas as empresas envolvidas na produção de bens, serviços ou direitos.
Deste modo, tais contratos não se confundem com aqueles: (i) – de transferência de tecnologia (em geral, tais contratos são reembolsos de despesas administrativas e não serviços técnicos, além de não remunerar a transferência de tecnologia, mas custos e despesas para sua obtenção desta); (ii) – de alienação, compra e venda (não há transferência de qualquer bem ou objeto com pagamento de um preço); (iii) – de prestação de serviços (na prestação de serviços temos uma contraprestação onerosa na figura de uma remuneração ou acréscimo com margem de lucro, enquanto no rateio não há pretensão de lucro, mas somente reembolso).
Para ilustrar a diferença entre eles (contrato de prestação de serviços e de rateio de custos – cost sharing), descrevemos abaixo um quadro (Tabela 1).
A constatação de tais características somente se dará a partir do contrato escrito firmado e sua aplicação na essência, o que levará a efeitos ficais diversos.
Não trataremos dos contratos de prestação de serviço intragrupo, pois, neste caso, a tributação é mais nítida, não gerando controvérsia. Deste modo, nossos esforços estarão voltados para a análise dos efeitos fiscais, segundo entendimento no Brasil, dos contratos de compartilhamento de custos ou contribuição.
Tabela 1 |
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Prestação de serviços |
Cost Sharing |
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Disciplina Jurídica |
Art. 593 a 609 CC |
Não há previsão expressa (contrato atípico) |
Remuneração |
Existência |
Ausência |
Documentação de suporte |
Notas fiscais de prestação de serviço |
Notas de débito |
Atividade desenvolvida |
Atividade-meio quanto atividade-fim |
Envolvem atividades meio |
Qualificação dos ingressos para fins fiscais |
Rendimento |
Reembolso |
Aspectos tributários entre empresas no Brasil
Iniciaremos pela operação onde todas as empesas envolvidas estão no Brasil.
Neste caso, os tributos que poderão ser exigidos são: (i) – imposto sobre a renda da pessoa jurídica – IRPJ – e contribuição social sobre o lucro – CSLL -; (ii) – PIS e COFINS – contribuições destinada a seguridade social obre a receita; (iii) – ISS – imposto sobre o serviços.
A principal característica do contrato de rateio de custos é o mero reembolso de despesas ou ressarcimento, pois, existe somente uma divisão de tais despesas entre as partes, inexistido qualquer prática pela empresa-mãe do exercício de uma atividade visando o lucro.
Se o compartilhamento entre as partes se dá por meio de mera recomposição patrimonial, não é possível a exigência de tributos, ou seja: (i) – IRPJ e CSLL – não há renda ou lucro; (ii) – PIS e COFINS – inexiste uma receita decorrente do exercício de venda, prestação de serviço ou outra atividade econômica; (iii) – ISS – não se tem a prestação de serviço, diante da ausência de preço, o qual compreende custo e valor a título de margem de lucro.
Aliás, este é o posicionamento da Receita Federal do Brasil, ao tratar do tema na Solução de Divergência n. 23/2013, a qual claramente reconhece que: (i) – é possível a elaboração de contratos de rateio; (ii) – os valores pagos a título do contrato do compartilhamento de despesas e custos seriam reembolso; (iii) – o montante pago, dentro da colaboração com tais despesas, seriam dedutíveis, desde que exista (iii.a) – comprovação de que sejam usuais, normais e necessárias; (iii.b) -calculadas segundo critérios de rateio razoáveis e objetivos, previamente ajustados e formalizado entre as partes; (iii.c) – que o pagamento se dê pelo efetivo gasto de cada empresas pelo gozo de tais serviços ou bens; (iii.d) – que a empresa centralizadora somente se aproprie da despesa na proporção que lhe é devida; (iii.e) – exista um controle de tais despesas rateadas e os reembolsos. Além da dedutibilidade para o IRPJ e CSLL, haveria ainda a possiblidade, dentro do mesmo raciocínio, do creditamento para PIS e COFINS no regime não cumulatividade.
Portanto, desde que exista a observância de tais condições ou requisitos, nas operações internas, há posicionamento da própria Receita Federal no sentido de que não haveria tributação de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, além de nos levar a mesma conclusão quanto ao ISS. Além disso, a possibilidade de dedutibilidade das despesas (IRPJ/CSLL) ou creditamento (PIS/COFINS).
Aspectos tributários entre empresa no Brasil e exterior
Temos, ainda, casos onde a colaboração possui empresa centralizadora com domicilio no exterior.
Trata-se de contrato muito comum pelas multinacionais, sendo a discussão tributária, de certo modo, um pouco diversa, na medida em que os tributos em questão seriam: (i) – IRFONTE – imposto sobre a renda retido na fonte quanto às remessas ao exterior; (ii) – PIS e COFINS-importação – contribuições que tributam a importação de serviços; (iii) – ISS – Imposto sobre serviço na importação.
Como ponto de partida para que se possa sustentar trata de contrato de rateio de custos, permitindo o entendimento quanto a não incidência de tributação para IRFONTE, CIDE-Royalties, PIS/COFINS-importação e ISS, seria ao menos respeitar as premissas já apontadas nas operações entre empresas domiciliadas no Brasil: (i) – existência de contrato escrito; (ii) – previsão de critério objetivo e razoável de rateio de despesas; (iii) – rateio de atividade-meio e não de atividade-fim; (iv) – inexistência de margem de lucro.
Em nossa visão, caberia ao Fisco brasileiro, no compartilhamento de custos com empresas domiciliadas no exterior, também não tributar tais remessas, eis que: (i) – não há renda ou acréscimo patrimonial no reembolso ou ressarcimento; (ii) – inexiste efetiva prestação de serviço, pressuposto para se exigir CIDE, PIS/COFINS-importação e ISS.
Ao analisar o posicionamento da Receita Federal, percebe-se a emissão de diversas Soluções de Consulta desfavoráveis, entendendo pela tributação (Solução de Consulta DISIT/SRRF09 Nº 9026, de 29 de Agosto de 2018). Todavia, nos parece que isto esta interpretação está mais vinculada ao caso concreto, por, em tese, não preencher os elementos de fato que levam à configuração de um efetivo contrato de compartilhamento de custos.
Isto nos permite afirmar que, em verdade, a Receita Federal não possui entendimento claramente contrário a não tributação das remessas ao exterior quando se trata de contrato de rateio de custos. Neste aspecto, por exemplo, vale lembrar a Solução de Consulta nº 21 – Cosit de 2015, a qual, ao tratar do Siscoserv, faz distinção entre o mero reembolso e a efetiva prestação de serviço para fins de informação em referida obrigação acessória:
Em vista disso, em um contrato de rateio de custos e despesas firmado entre sociedades integrantes de mesmo grupo econômico que envolva residentes e não residentes no Pais, as atividades disponibilizadas à pessoa jurídica residente por pessoa jurídica não residente devem ser registradas no Siscoserv, caso a atividade em questão esteja prevista na NBS. Trata-se de transação que compreende uma operação que produz variação no patrimônio da pessoa jurídica, na medida em que o reembolso oferecido como contrapartida à atividade disponibilizada representa uma despesa, que necessariamente implicará variação patrimonial.Caso, no bojo do acordo de rateio de custos, haja subcontratação de determinados serviços pela pessoa jurídica centralizadora em favor das demais integrantes, a relação obrigacional decorrente terá a natureza de uma autentica prestação de serviços, figurando como prestador o terceiro contratado e como tomador as pessoas jurídicas do grupo, a quem os serviços de fato beneficiam. Caso o prestador seja residente ou domiciliado no exterior, haverá obrigatoriedade do registro da informação no Siscoserv, a ser efetuada por tomador residente no Brasil."
Importante destacar de referida interpretação o fato de que, quando houver rateio de despesa, porém, em virtude de contratação de terceiro prestador de serviço pela empresa centralizadora, tal hipótese não seria um simples reembolso, caracterizando como serviço, o que levaria à tributação da remessa.
Ora, na essência, o fato de existir uma eventual contratação de terceiro no exterior, não desnatura a característica da remessa, uma vez que continua a existir um mero rateio mediante reembolso de uma despesa ou custo de interesse comum centralizado em empresa no exterior.
Não negamos, todavia, que, por voto de qualidade, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF- (Caso Arcos Dourados – "McDonald's" – Acórdão nº 1401-004.049), reconhecer a tributação, utilizando-se entre as razões, exatamente a subcontratação:
Incide o Imposto de Renda Retido na Fonte na hipótese de pagamentos efetuados a pessoa jurídica domiciliada no exterior decorrentes de contratos de rateio de despesas (cost sharing agreements).
Apesar da controvérsia quanto à tributação das remessas, por outro lado, a dedutibilidade das despesas e custos – IRPJ/CSLL – e creditamento – PIS/COFINS – possui posicionamento favorável aos contribuintes, conforme Solução de Consulta n. 94 COSIT de 25 de março de 2019, onde enuncia:
É possível a concentração, em uma única empresa, do controle dos gastos referentes a departamentos de apoio administrativo centralizados, para posterior rateio dos custos e despesas administrativas comuns entre empresas que não a mantenedora da estrutura administrativa concentrada. Para que os valores movimentados em razão do citado rateio de custos e despesas sejam dedutíveis na apuração do IRPJ, exige-se que correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas e pagas; que sejam calculados com base em critérios de rateio razoáveis e objetivos, previamente ajustados, formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes; que correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços; que a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão somente a parcela que lhe cabe de acordo com o critério de rateio, assim como devem proceder de forma idêntica as empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços, e contabilize as parcelas a serem ressarcidas como direitos de créditos a recuperar; e, finalmente, que seja mantida escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas.
É possível a concentração, em uma única empresa, do controle dos gastos referentes a departamentos de apoio administrativo centralizados, para posterior rateio dos custos e despesas administrativas comuns entre empresas que não a mantenedora da estrutura administrativa concentrada. Para que os valores movimentados em razão do citado rateio de custos e despesas sejam dedutíveis na apuração da CSLL, exige-se que correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas e pagas; que sejam calculados com base em critérios de rateio razoáveis e objetivos, previamente ajustados, formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes; que correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços; que a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão somente a parcela que lhe cabe de acordo com o critério de rateio, assim como devem proceder de forma idêntica as empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços, e contabilize as parcelas a serem ressarcidas como direitos de créditos a recuperar; e, finalmente, que seja mantida escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas."
Apesar de se entender, a depender do caso concreto pela tributação das remessas ao exterior, em contrapartida, a dedutibilidade e crediamento possui interpretação favorável ao contribuinte.
Ao final, cabe esclarecer que não buscaremos neste trabalho discutir, mesmo que se pretenda tributar o IRFONTE, a possibilidade de aplicação dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação, ficando para um outro trabalho.
Considerações finais
Possível reconhecer que, no Brasil, o contrato de rateio de despesas ou custos, desde que preenchido certos requisitos, nas operações internas são sofrerá tributação a título de IRPJ/CSLL, PIS/COFINS e ISS, além de existir posicionamento favorável a respeito da dedutibilidade.
Por outro lado, quando se trata de contrato de rateio com empresas sediadas no exterior, em regra, a Receita Federal tem se posicionado pela tributação da remessa por meio do IRFONTE (15%), PIS/COFINS-importação (9,65%), CIDE (10%) e ISS, embora as decisões normalmente afirmem não reconhecer um efetivo rateio nosso caos concretos. No entanto, há possiblidade de dedução ou creditamento de tais despesas e custos.
Em tais condições, o tema ainda releva dúvidas e controvérsias, todavia, havendo um contrato efetivo de rateio de despesas, com os respectivos controles, acreditamos que, seja por decisão da Receita Federal, Tribunal Administrativo ou Poder Judiciário, haverá o reconhecimento da impossibilidade de tributação.
Fabio Pallaretti Calcini |
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Sócio Brasil Salomão e Matthes Advocacia Tel: +55 11 3087 4800 fabio.calcini@brasilsalomao.com.br Advogado sócio de Brasil Salomão e Matthes advocacia. Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP. Pós Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra/PR. Professor da FGV DIREITO/SP, IBET (Especialização e Mestrado), FADUSP (RP), FAUEL, entre outras. Ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF – MF/DF. Diretor Jurídico Adjunto do CIESP. Membro da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Direto Agrário e Agronegócio da OAB/SP. |